Penso no homem que inventou a meia-noite.
A escarpa extática de seu nariz ao inclinar-se.
O ato de inclinar-se.
Catalogar, representar no espírito, os salgados expostos na estufa,
a luz branca que os mantinha, como que à força, em seu lugar.
Das duas entradas de uma galeria em “U” efluía então
certa ideia de movimento humano, persistência muda,
síntese,
não era difusa?
Emblema do que viemos a entender como natural
(“o
mundo natural”, “a ordem natural das coisas”).
Estas pessoas que saem, que
entraram, sabe-se lá por
onde,
ninguém
dá por nós,
este
comércio estreito na luz branca,
esta galeria,
a
luz atravancada de galerias,
estufas, refrigeradores,
eu repito:
natural.
Eu repito: as
coisas representam-se no mundo.
É da ordem natural das coisas não
revermos aquelas pessoas.
Não
as vimos.
Nenhuma delas, por sua vez, reparou
em nós.
Nenhuma
delas nos interpreta, nem
mesmo agora,
como o sítio de uma grande
devastação futura,
que é precisamente o
que somos:
a cerca desigual,
o corrimão,
arames
embrulhando a fronteira.
O que
me comunica
novamente este momento?
O que me comunica
então esta rua, esta vizinhança,
esta cidade, não
estou sempre a nascer?
Procurando exasperadamente
acomodar
o ar, a luz,
a ruminação nestas bocas?
A fome?
a banalidade dos saciados?
Também
naquele momento,
condenado, como todos os outros, a
vir abaixo,
havia já qualquer coisa que vinha abaixo,
um punhado de pedriscos
despencando no mar,
a
luz branca a escapar dos freezers,
das estufas, das vitrines.
A
luz branca já voltava à carga.
Nós levantamos. Nós pagamos a conta.