domingo, 2 de novembro de 2014

Fantasia Acerca da Dignidade dos Homens, I


Que fazia em meu lugar um homem digno, um homem de princípios elementais?
Esvaziadas já todas as peças, põe-se a folhear a varanda.
Volta-se ao corretor.
“A vista é muito graciosa, decerto, mas com ela não se pode limpar o rabo”.
Eis aí um homem sensato.
Sensato, como se vê, jovial.
(Disse uma verdade, o firmamento não veio abaixo).
Agora partem os dois em busca de coisa mais compreensível.
A mim, deixam-me quieto.
Que mais posso pedir?
Em sonhos, no entanto, alteio-me ao centro da sala.
Eis aí um homem sensato, de voz ancorada, voz que fundeia o navio.
Olhos fitos em cada um deles.
Que faz este leme no canto da sala? O que quer dizer, que querem dizer com isso?
Sou um homem.
Destes homens que dizem coisas como –, “não saio daqui sem respostas”.
Um homem digno, enfim.
Este homem, que fazia este homem para tirar da grande revelação a grande revelação?
É de supor que já se tenha defrontado em algum momento com o problema do teatro.
O problema da representação.
O problema da afirmação decisiva.
Como terá resolvido o problema da afirmação decisiva?
Como parece tranquilo, afinal.
Debruçado à varanda, traz para dentro dos ossos a impossibilidade, embala-o (dentro dos ossos) o reproche maternal do tempo.
Remediado está.
Remediado está.
Não consigo interromper a costura do fantasma.
Mancheias de sangue no interruptor.
Talvez sejam minhas.
Que sei eu?
Ele é digno como os sonhos, mas ele se move.
Ele se move pela estatuária –, grotesca –, não há como contornar –, apalpa umas corujinhas de louça.
Que fazia das medalhas, este homem, das medalhas?
Cortavam-nos os pés.
Cortávamos os pés nas medalhas, voltando da praia.
Os anos já não comportavam tanta boa vontade.
Tanto “sacrifício”.
E no entanto, aquilo continuava.
Que fazia dos anos, fazia que não dava por eles? Que não tinham peso, gravidade?
Fazia como os homens que levam num frasco a bala que por pouco não os matou?
Que fazia a respeito dos quadros, destes quadros com os galos, por exemplo?
São odiosos, não há quem não o reconheça.
No entanto, pelo que sei, jamais moveu-se uma palha para tirá-los do lugar.
Agrada-me a ideia do leilão, é civilizada (civilizada demais para nós, se querem mesmo saber).
Dói-me, no entanto, que os vestidos dela não conheçam o fogo.
Creio tratar-se de um impasse objetivo.
Nada disto dançará selvagemente?
Nada conhecerá a blasfêmia?
Não conhecerão o fogo
.......................... o leme
...........................as corujas
...........................os galos
...........................os malditos galos?
Vamos lá, responda.
Que fazia em meu lugar um homem digno?
Matava-se.
Ou isto ou sumia no mundo.

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