domingo, 28 de setembro de 2014

Cidades Cada Vez Menores (Num Estacionamento)


Nem aqui estaremos a salvo de reencontros –, no estacionamento vazio de um supermercado, de um restaurante, às nove e meia da noite de um dia de semana –, à cata de respostas, cabeça baixa, lugares bem pouco fenícios – corro os olhos pelas linhas brancas ou amarelas que delimitam as vagas – enquanto –, você pesa, segundo a segundo, minha lentidão, ou até menos – a mesma postura desafiadora de sempre, mais orgulhoso, talvez, embora seu rosto tenha mudado completamente, já naquela época o seu rosto parecia mudar completamente de tempos em tempos, parece que os anos não passaram, que os anos não passam, que um torniquete –, parece que os anos passam, parece que os anos entretanto não se deixam formular, o que é infinitamente mais angustiante –, porque é de fato angustiante procurar por respostas simples e cabíveis e encontrar apenas e sempre certo tempo, informulável – agora –, pareço divisar um objeto qualquer sobre o asfalto: enfoco, não é um objeto qualquer: trata-se de um tubo de lubrificante anal espremido até o talo, a poucos metros de nós, ele consome a pergunta –, perceba, em qualquer outra ocasião isso me divertiria até não mais –, em qualquer outra ocasião eu certamente me sentiria tentado a dizer alguma coisa como Cristo Pai, como eu amo essa cidade – isto me falaria, este detalhe, isto me diria então: “certo, rapazes, mãos à obra!” –, mas agora estou atordoado, parece-me que apostamos alto, aponto para o tubo e em tom de pura delação repito está vendo, está vendo?, e assim me ergo não sem algum atrapalho da pergunta que você acaba de fazer, apontando para o tubo espremido de lubrificante anal, dedo inquisidor, SECO, sentencio, impossível continuar vivendo num lugar assim, impossível viver em meio a tantas distrações, entendo agora o meu percurso, ele me parece mais claro do que nunca, será por cidades cada vez menores, cada vez menores, cidades de esquecimento, cidades negativas, cidades onde toda e qualquer possibilidade de reencontro será vetada já de saída, e consequentemente, eventos cada vez mais insignificantes, relações de natureza sempre mais frágil, sempre mais questionável, enormidade de coisas entre as quais perder o seu rosto outra vez, na área de fumantes, completamente mudado, a expressão de susto quando o fantasma aparece diante do malfeitor para o acerto de contas, iluminado por luz policialesca, girando vermelha e azul, vermelha e azul a pergunta pende –, mas você quer viver ou você quer morrer?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário