I.
Aqui,
Joaquim. Aqui!
Do
outro lado!
Acenando.
Mas
ele
não esboça reação. Em
que
pese o fato de
estarmos
perfeitamente
alinhados
um diante do outro, trata-se
de uma avenida imensa, terrivelmente
movimentada,
devo
ter lido em algum lugar – “uma das vias
mais
convulsivas
da América Latina”.
Sim,
estou
seguro disso, estamos um
diante do outro, suficientemente
alinhados para que me veja, ainda que a relances, nos intervalos
entre os carros, ônibus, caminhões e demais indicativos de
progresso humano.
Súbito,
sou varado pela seguinte
questão
– terá Joaquim se tornado ele próprio um indicativo de progresso
humano?
Neste
caso, não deve
fazer
questão de me cumprimentar. Sigo acenando, no entanto, e cada vez
mais enfático, cuidando apenas de não acertar as pessoas à minha
volta, afinal, não
me parece correto que sejam elas a pagar.
Em
seguida, outra hipótese me acorre – a de que Joaquim esteja me
enxergando perfeitamente, porém, não me reconheça. Afinal, nos
últimos cinco ou seis anos, todos nós trocamos de óculos,
perseguimos dentes mais brancos, produzimos cães. Fizemos, em suma,
o possível para que não nos reconhecessem em multidões como esta.
No
entanto, sigo acenando para Joaquim, do outro lado da avenida,
enquanto o sinal não fecha.
Com
isto, exijo que me reconheça;
que o demonstre;
que
torne, com este gesto,
um pouco mais verossímil a minha própria presença nesta cidade
abominavelmente hostil (devo ter lido em algum lugar, “uma das mais
convulsivas metrópoles...”)
II.
Joaquim
dá por mim do outro lado da rua.
Acenando.
Parece
satisfeito em me ver.
Não
parecerá, no entanto, exageradamente satisfeito?
Há
pouco, Joaquim se achava exemplarmente alheio aos arrancos e tropeços
ao redor. Agora, contribui às convulsões da avenida com seus
próprios arrancos e tropeços.
Estes
constituem, a bem da verdade, apenas uma pequena parcela de um vasto
repertório físico da aflição. Joaquim estica-se na ponta dos pés;
morde o lábio inferior; avança o torso; recua; perde e recobra, em
rápida sucessão, o domínio dos braços; seus olhos não se decidem
nem pelo sinal nem pelos automóveis, os quais parece tentar apressar
com pequenos movimentos espásticos das mãos, agora soltas.
III.
Decido
que Joaquim me toma por outro – alguém que deseja, de fato,
reencontrar. É curioso pensar em suas mãos há pouco inertes,
metidas nos bolsos fronteiros da calça. Apalpava, talvez, algum
objeto? Um pacote de pastilhas mentoladas? Um telefone, está
coçando?
Um
terceiro personagem, pequenino, preso ao fundo do bolso direito, seu
minúsculo pescoço bem seguro entre o polegar e o indicador da mão
de Joaquim?
Joaquim
sente o horror deste personagem, ou melhor, sente-se de alguma
maneira impulsionado pelo horror deste personagem? Estaria
pensando, antes de me ver – “ainda não, ainda não, espere só
até chegarmos no escritório…”?
Com
ambas as mãos, abre um sorriso radiante.
Gesticula.
Não
sem alguma dificuldade, compreendo afinal que ele me pede para
permanecer onde estou, do meu lado da avenida. Os carros param,
impacientam-se, ele já vem.
Pare
de rosnar, pelo amor de Deus, ele
já vem.
Mas
como é
difícil vencer pela imobilidade, triunfar do fluxo geral em meio a
tantos que não medem nem nunca –
desconfio – medirão
esforços para ganhar o outro lado da avenida.
Todo
o peso me abandona. Já
não o reconheço.
“Que
coincidência extraordinária”, entoamos os dois, praticamente em
uníssono.
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