segunda-feira, 7 de julho de 2014

Onde Cair Morta


Fui uma criança feliz, possuidora de suas solidões --, assim dizem os leks quando entram a pensar em voz alta sob os toldos dos bares. 

Agora, no entanto, e o senhor certamente convirá, minha situação é deplorável. Decresço talvez da espessura de um tule, um barbantinho deveras penitenciado, e todos concordarão já não sou a mesma tipa que… 

contudo 
onde os meios de aplacá-los? 

Dão-me a entender continuamente que o pouco que peço da vida não é absolutamente razoável. Dizem também que não sofro, que não há razão, que se não o admito é por volúpia e perversidade. Então, não sofro. Não sofro. Mas também não sei mais o que fazer. 

Passo os dias pateando com a barriga. Assim não se vai muito longe, mas insisto – não reconhecerei essa cidade. De resto, já fiz concessões demais. Há limites para tudo. 

Não bastou um só marinheiro. Houve um mar rebocado de branco, pensei, e fui abaixo. Quando voltei para a minha mesa, contava com certa ancestralidade que antes não tinha. Os da casa, naturalmente, não souberam como reagir. 

Toquei para o quarto me lustrar.

Há sempre graves consequências para portas e janelas, e o senhor meu pai certamente convirá, meu trabalho tem que ver em sua essência com descuido.

Eis a única concessão que não me disponho a fazer – não reconhecerei os seus parques, os seus cães, os seus espelhos – não os reconhecerei. O meu trabalho talvez não interesse a ninguém – é uma hipótese, aliás, bastante cabível –, mas eles... ora, eles...

temo que não se deixem aplacar nem mesmo pela minha ausência

Sei que breve darão por encerrada a minha estadia aqui – impossível prever que pretextos, que perjúrios, ocupo-me disso com todas as fibras do meu ser mas continuo sem compreender o que exatamente se espera de mim.

O que posso dizer é que a atmosfera torna-se cada dia mais rebarbativa. Dentro em breve encontrarão algum motivo para me desalojar; minhas economias acabaram; não tenho mais ninguém no mundo a quem recorrer. O senhor não me receberia em sua casa, talvez em junho, julho, o senhor não me faria a caridade de um cantinho para organizar os pensamentos?

penso que 

Prometo ajudar nas pequenas tarefas da casa, acompanhar os seus meninos até o colégio, se é que já não estão na universidade, os meninos. Eu não sei. Tentarei, tentarei me envolver, naturalmente, dentro dos limites que o senhor achar por bem colocar. 


Além do mais, parece-me que há muito postergamos um íntimo acerto de contas. 


Eis, portanto, uma bela oportunidade que o senhor me daria de conhecê-lo um pouco melhor, uma oportunidade talvez de trocarmos raízes, apesar de todos esses anos que passamos alheados um do outro.

Sou a primeira a reconhecer que fiz um casamento infeliz, que desperdicei os melhores anos de minha vida com empreitadas absurdas, irreais. Tenho presente o tanto de desgosto que dei àqueles que só queriam o meu bem, e que minha reputação neste Eixo não é das melhores. Não serei merecedora, contudo, de uma segunda chance? 

O senhor certamente convirá em que trilhou caminhos os mais tortuosos até encontrar a felicidade doméstica. 

Não serei merecedora, contudo, de uma segunda chance?
Mas o senhor me recusaria
Mas o senhor não me recusaria a caridade de um canto para passar o inverno.

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